Poemas Revolucionários

E então, que quereis?

V. Maiakóvski

Fiz ranger as folhas de jornal

abrindo-lhes as pálpebras piscantes

e logo de cada fronteira distante

subiu um cheiro de pólvora

perseguindo-me até em casa.

Nestes últimos vinte anos

nada de novo há

no rugir das tempestades

não estamos alegres,

é certo

mas por que razão

haveríamos de ficar tristes?

O mar da história é agitado

as ameaças

e as guerras

havemos de atravessá-las

rompê-las ao meio

cortando-as

como uma quilha corta

as ondas

 

 

 

AS  NOVAS  ERAS

As novas eras não começam de uma vez

Meu avô já vivia num novo tempo

Meu neto viverá, talvez ainda no velho.

A nova carne é comida com velhos garfos

Os automóveis ainda não havia

Mas também não havia tanques

Os aviões não cruzavam os céus

Mas também não havia bombardeios.

Das novas antenas chegam velhas tolices

A sabedoria ainda é transmitida de boca em boca.

Bertolt Brecht

 

NUESTRA ROJA SANGRE

Cantan  a la lucha

Voces encendidas,

Camino  a la Victoria

Y con las manos sudorosas,

Escriben a la vida,

Con el fusil en ristre,

Apuntando al enemigo,

Hombres del Nuevo dia.

Por ejemplo, ahora,

Escriben la historia,

Después de atravezar la noche

De batallar decisivos

Y las rebeldes sangres,

Como la causa del guerrero,

Se hacen más hermosas,

Cantándole a lo nuevo

Sangre nuestra, roja,

Como el presente y el futuro,

Desencadenada de lamentos

Conquistando el poder.

 

Aos que Hesitam

Você diz:

Nossa causa vai mal.

A escuridão aumenta. As forças diminuem.

Agora, depois que trabalhamos tanto tempo,

Estamos em situação pior que no início.

Mas o inimigo está mais forte do que nunca.

Sua força parece ter crescido.

Ficou com aparência de invencível.

Mas nós cometeremos erros, não há como negar.

Nosso número se reduz.

Nossas palavras de ordem estão em desordem

O inimigo distorceu muitas de nossas palavras,

Até ficarem irreconhecíveis.

Daquilo que dissemos o que agora é falso:

Tudo ou alguma coisa?

Com quem contamos ainda?

Somos o que restou,

Lançados fora da corrente viva?

Ficaremos para trás,

Por ninguém compreendidos

E a ninguém compreendendo?

Precisamos ter sorte?

Isto você pergunta.

Não espere nenhuma resposta senão a sua.

(Bertolt Brecht)

 

“SONHAR”

Mais um sonho impossível

Lutar quando é fácil ceder

Vencer o inimigo invencível

Negar quando a regra é vender

Sofrer a tortura implacável

Romper a incabível prisão

Voar no limite improvável

Tocar o inacessível chão,

É minha lei, é minha questão

Virar esse mundo, cravar esse chão…”

( R. Guerra  & C. Buarque)

O Novo e o Velho

 “Nós estávamos numa colina e vimos quando o velho, se aproximava, mas ele vinha como se fosse o novo, disfarçado.

Arrastava suas novas muletas e exalava novos odores de putrefação.

A pedra passou rolando como a mais nova invenção e os gritos dos gorilas batendo no peito deveriam ser as mais novas composições. Em toda a parte viam-se túmulos abertos enquanto o novo marchava sobre a capital.

Ao lado dele estavam os que gritavam: “ Aí vem o novo, tudo é novo, saúdem o novo, sejam como nós”!

Assim marchou o velho travestido de novo, e no seu cortejo triunfal levava consigo o novo, mas o exibia como se fosse o velho.

O novo vinha preso e coberto de trapos, mas nem mesmo as correntes e os farrapos impediam de ver que ele era o novo, derrotado, mas não vencido.

O cortejo movia-se na noite e os gritos de “aí vem o novo, tudo é novo, saúdem o novo, sejam novos como nós”, seriam ainda ouvidos se não fosse o trovão das armas e os gritos dos assassinados”.

 

TERRA DESTE MEU CHÃO

Ouve este pobre homem

Teu silêncio à escravidão

Mata meu povo de fome

Vem do teu útero o grão

Que alimenta a humanidade

Mas, presa neste aguilhão

Nem temes a infertilidade

És a solução pra fome

És conflito entre os homens

És a esperança do pobre

Mas submissa aos nobres

TERRA

Por que não te abres em fendas

E sepulta os senhores

Castradores de ti?

José Carlos Costa – Sorocaba – SP

 

CLASSE TRABALHADORA

Dos teus braços saem muitos frutos

Alimentos e materiais que se

Transformam em produtos

Ninguém olha pra esse lado

Tudo vai para o mercado

Sempre sobra muita coisa

E as sombras onde vão?

Dizia a lei de Gérson,

“deve-se levar vantagem em tudo”

E hoje essa é a lei da burguesia

Para explorar a nossa classe

Que trabalha e se arrebenta

Muitas vezes não agüenta

E aí se mobiliza

Chora, grita, sapateia, onde pisa

Uns descalços e sem camisas

Nos dizia Tomás de Aquino

Que previa este pepino

Nos deixou um livro escrito e sublinhado

Que pegar de quem tem muito não é pecado

Meeiro, arrendatário e operário

Todos ganham menos que um salário

E se não tiver emprego

Passa frio, passa fome e, nesse mundo,

É chamado de vagabundo

Bem a frente de nossas vistas

Muitos de nós concordamos

E a mão para o diabo nós damos

Defendendo os capitalistas

Que fazem tudo e se defendem

Com uma ética individualista

Mas um dia tudo muda

E a Deus nós pedimos ajuda

Com certeza ele escuta

Se nós não deixarmos de lutar

Não sermos covardes e fraquejar

Contra toda essa maldade

Defendendo a igualdade

Temos a ética da solidariedade

Pra uma nova sociedade

Todos juntos construir

Começando pela terra

Com o lema:

Ocupar, Resistir e Produzir

Aldoir Betan – RS

 

 

Eu não tenho nome

Eu não tenho pátria

Não tenho trabalho

Nem identidade

Não tenho dinheiro

E não tenho terra

Não tenho lar

No campo ou na cidade

Eu não tenho endereço

Pra correspondência

Não tenho partido

Não tenho carro

Não tenho voz

Pra falar de mim

Nem o direito

De ser escutado…

Mas tenho no bolso

De remendo

Uma arma poderosa

Que levanta

E derruba reinados

E os põe à prova

E quando o ano

De eleição eles chegam…

Cada qual mais sincero

Como em confissão

E prometem mudança

Semeia esperança

E também nesses anos

Que não falta esmola

Mas pra mim

Que já conheço

O preço do tiro

Não dá mais para

Andar no escuro.

 

GIGANTES E MOINHOS

São Gigantes!                           Ao invés da calma

São Moinhos,                            Do lar

São só moinhos!                        Enfrentas gigantes!

Rocinante                                 Não vês

Avança sob o tropel                   Como devoram teu ar

De cascos                                 Como rasgam teu tempo

Trôpegos.                                 Em açoites de crime?

São Caminhos!                          Redemoinhos,

Reles moinhos…

São Moinhos.                            Não vês… lutas

Rocinante                                 Sozinho.

De quadros e de massas            Frágil                                       Ao ataque

Vanguarda das cavalarias          Empunho                                  Sobre as derrotas

Força tarefa                              Um breviário                            Avançando

Príncipe moderno.                     Igualitário.                                Meio Marx,

Contra o que se atira,                Viceral luta                               Meio Cervantes:

Delirante figura?                       Contra a propriedade                 CHE / Quixotes…

Não vê que são moinhos?          Das coisas e gentes.

Talvez

Cavaleiro alucinado,                  Ao ataque!                                Por não existirem

Vê damas                                 O Sol nascente                          Como antes

Em simples estalajadeiras          Tinge as nuvens:                      Que como moinhos

Pensa ver senhores                   Nosso estandarte                      Ainda se disfarcem

Em deserdados pastores.           Móvel.                                      Aqueles letais gigantes.

Vê inimigos                               São moinhos

Em pacíficos moinhos.               Só moinhos                               São moinhos

Moi                                          São gigantes

Delírio de malária:                    Mó

São moinhos.                            Moi os sonhos                           Mas… agora?

Chamas da paixão:                    Rede                                        Agora!

São caminhos                           Moinhos                                   Mais Quixotes

Inteiros                                    Rodopiam e embriagam             Mais amantes

Humanos                                  Feito efeito de vinho                  Mais mortais

Tangíveis; e não                                                                      E delirantes.

Estrada.                                   Porque lutas?

De atalhos fáceis:                     Porque tamanho esforço            São moinhos!

Aparências!                              Se eles já venceram?                São só gigantes!

De onde tiraste a idéia

De cavalaria andante?

 

Nordestino sim, Nordestinado não

(Patativa do Assaré)

Nunca diga nordestino

Que Deus lhe deu um destino

Causador do padecer

Nunca diga que é o pecado

Que lhe deixa fracassado

Sem condições de viver

Não guarde no pensamento

Que estamos no sofrimento

É pagando o que devemos

A Providência Divina

Não nos deu a triste sina

De sofrer o que sofremos

Deus o autor da criação

Nos dotou com a razão

Bem livres de preconceitos

Mas os ingratos da terra

Com opressão e com guerra

Negam os nossos direitos

Não é Deus quem nos castiga

Nem é a seca que obriga

Sofrermos dura sentença

Não somos nordestinados

Nós somos injustiçados

Tratados com indiferença

Sofremos em nossa vida

Uma batalha renhida

Do irmão contra o irmão

Nós somos injustiçados

Nordestinos explorados

Mas nordestinados não

Há muita gente que chora

Vagando de estrada afora

Sem terra, sem lar, sem pão

Crianças esfarrapadas

Famintas, escaveiradas

Morrendo de inanição

Sofre o neto, o filho e o pai

Para onde o pobre vai

Sempre encontra o mesmo mal

Esta miséria campeia

Desde a cidade à aldeia

Do Sertão à capital

Aqueles pobres mendigos

Vão à procura de abrigos

Cheios de necessidade

Nesta miséria tamanha

Se acabam na terra estranha

Sofrendo fome e saudade

Mas não é o Pai Celeste

Que faz sair do Nordeste

Legiões de retirantes

Os grandes martírios seus

Não é permissão de Deus

É culpa dos governantes

Já sabemos muito bem

De onde nasce e de onde vem

A raiz do grande mal

Vem da situação crítica

Desigualdade política

Econômica e social

Somente a fraternidade

Nos traz a felicidade

Precisamos dar as mãos

Para que vaidade e orgulho

Guerra, questão e barulho

Dos irmãos contra os irmãos

Jesus Cristo, o Salvador

Pregou a paz e o amor

Na santa doutrina sua

O direito do bangueiro

É o direito do trapeiro

Que apanha os trapos na rua

Uma vez que o conformismo

Faz crescer o egoísmo

E a injustiça aumentar

Em favor do bem comum

É dever de cada um

Pelos direitos lutar

Por isso vamos lutar

Nós vamos reivindicar

O direito e a liberdade

Procurando em cada irmão

Justiça, paz e união

Amor e fraternidade

Somente o amor é capaz

E dentro de um país faz

Um só povo bem unido

Um povo que gozará

Porque assim já não há

Opressor nem oprimido.

Poemas de Bertold Brecht

Os que lutam

“Há aqueles que lutam um dia; e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda;
Porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis.”

 

O Analfabeto Político

O pior analfabeto é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão,
do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio
dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia
a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta,
o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista,
pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo

 

Nada é impossível de Mudar

“Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de
hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem
sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural
nada deve parecer impossível de mudar.”

 

Privatizado

“Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar.
É da empresa privada o seu passo em frente,
seu pão e seu salário. E agora não contente querem
privatizar o conhecimento, a sabedoria,
o pensamento, que só à humanidade pertence.”

 

SOBRE A VIOLÊNCIA

A corrente impetuosa é chamada de violenta
Mas o leito do rio que a contem
Ninguém chama de violento.

A tempestade que faz dobrar as betulas
É tida como violenta
E a tempestade que faz dobrar
Os dorsos dos operários na rua?

 

DAS ELEGIAS DE BUCKOW

Viesse um vento
Eu poderia alcar vela.
Faltasse vela
Faria uma de pano e pau. FERRO
No sonho esta noite
Vi um grande temporal.
Ele atingiu os andaimes
Curvou a viga
A feita de ferro.
Mas o que era de madeira
Dobrou-se e ficou.

 

SE FÔSSEMOS INFINITOS

Fossemos infinitos
Tudo mudaria
Como somos finitos
Muito permanece.

 

QUEM SE DEFENDE

Quem se defende porque lhe tiram o ar
Ao lhe apertar a garganta, para este há um parágrafo
Que diz: ele agiu em legitima defesa. Mas
O mesmo parágrafo silencia
Quando vocês se defendem porque lhes tiram o pão.
E no entanto morre quem não come, e quem não come o suficiente
Morre lentamente. Durante os anos todos em que morre
Não lhe é permitido se defender.

 

PERGUNTAS DE UM TRABALHADOR QUE LÊ

Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis.
Arrastaram eles os blocos de pedra?
E a Babilônia varias vezes destruída–
Quem a reconstruiu tanta vezes? Em que casas
Da Lima dourada moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros, na noite em que
a Muralha da China ficou pronta?
A grande Roma esta cheia de arcos do triunfo
Quem os ergueu? Sobre quem
Triumfaram os Cesares? A decantada Bizancio
Tinha somente palácios para os seus habitantes? Mesmo
na lendária Atlântida
Os que se afogavam gritaram por seus escravos
Na noite em que o mar a tragou.
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César bateu os gauleses.
Não levava sequer um cozinheiro?
Filipe da Espanha chorou, quando sua Armada
Naufragou. Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu alem dele?

Cada pagina uma vitoria.
Quem cozinhava o banquete?
A cada dez anos um grande Homem.
Quem pagava a conta?

Tantas histórias.
Tantas questões.


EU SEMPRE PENSEI

E eu sempre pensei: as mais simples palavras
Devem bastar. Quando eu disser como é
O coração de cada um ficara dilacerado.
Que sucumbiras se não te defenderes
Isso logo veras.

 

O NECESSITO DE PEDRA TUMULAR

Não necessito de pedra tumular, mas
Se necessitarem de uma para mim
Gostaria que nela estivesse:
Ele fez sugestões
Nós as aceitamos.
Por tal inscrição
Estaríamos todos honrados.

 

LENDO HORACIO

Mesmo o diluvio
Não durou eternamente.
Veio o momento em que
As águas negras baixaram.
Sim, mas quão poucos
Sobreviveram!

 

EPITÁFIO PARA GORKI

Aqui jaz
O enviado dos bairros da miséria
O que descreveu os atormentadores do povo
E aqueles que os combateram
O que foi educado nas ruas
O de baixa extração
Que ajudou a abolir o sistema de Alto a Baixo
O mestre do povo
Que aprendeu com o povo.

 

NA MORTE DE UM COMBATENTE DA PAZ

À memória de Carl von Ossietzky
Aquele que não cedeu
Foi abatido
O que foi abatido
Não cedeu.
A boca do que preveniu
Está cheia de terra.
A aventura sangrenta
Começa.
O túmulo do amigo da paz
É pisoteado por batalhões.
Então a luta foi em vão?
Quando é abatido o que não lutou só
O inimigo
Ainda não venceu.

 

A MÁSCARA DO MAL

Em minha  parede há uma escultura de madeira japonesa
Máscara de um demônio mau, coberta de esmalte dourado
Copreensivo observo
As veias dilatadas da fronte, indicando
Como é cansativo ser mal

 

REFLETINDO SOBRE O INFERNO

Refletindo, ouço dizer, sobre o inferno
Meu irmão Shelley achou ser ele um lugar
Mais ou menos semelhante a Londres. Eu
Que não vivo em Londres, mas em Los Angeles
Acho, refletindo sobre o inferno, que ele deve
Assemelhar-se mais ainda a Los Angeles.

Também no inferno
Existem, não tenho dúvidas, esses jardins luxuriantes
Com as flores grandes como árvores, que naturalmente fenecem

Sem demora, se não são molhadas com água muito cara.
E mercados de frutas
Com verdadeiros montes de frutos,no entanto
Sem cheiro nem sabor.E intermináveis filas de carros
Mais leves que suas próprias sombras,mais rápidos
Que pensamentos tolos,autómoveis reluzentes,nos quais

Gente rosada,vindo de lugar nenhum,vai a nenhum lugar.
E casas construídas para pessoas felizes,portanto vazias
Mesmo quando habitadas.
Também as casas do inferno não são todas feias
Mas a preocupacão de serem lançados na rua
Consome os moradortes das mansões nao menos que
Os moradores do barracos.

 

NA GUERRA MUITAS COISAS CRESCERÃO

Ficarão maiores
As propriedades dos que possuem
E a miséria dos que não possuem
As falas do guia*
E o silêncio dos guiados.

 

* FührerCOMO BEM SEI

Como bem sei
Os impuros viajam para o inferno
Através do céu inteiro.
São levados em carruagens transparentes:
Isto embaixo de vocês, lhe dizem
É o céu.
Eu sei que lhes dizem isso
Pois imagino
Que justamente entre eles
Há muitos que não o reconheceriam, pois eles
Precisamente
Imaginavam-no mais radiante

 

JAMAIS TE AMEI TANTO

Jamais te amei tanto, ma soeur
Como ao te deixar naquele pôr do sol
O bosque me engoliu, o bosque azul, ma soeur
Sobre o qual sempre ficavam as estrelas pálidas
No Oeste.
Eu ri bem pouco, não ri, ma soeur
Eu que brincava ao encontro do destino negro -
Enquanto os rostos atrás de mim lentamente
Iam desaparecendo no anoitecer do bosque azul.
Tudo foi belo nessa tarde única, ma soeur
Jamais igual, antes ou depois -
É verdade que me ficaram apenas os pássaros
Que à noite sentem fome no negro céu.

 

A MINHA MÃE

Quando ela acabou, foi colocada na terra
Flores nascem, borboletas esvoejam por cima…
Ela, leve, não fez pressão sobre a terra
Quanta dor foi preciso para que ficasse tão leve!

 

TAMBÉM O CÉU

Também o céu às vezes desmorona
E as estrelas caem sobre a terra
Esmagando-a com todos nós.
Isto pode ser amanhã.

 

O NASCIDO DEPOIS

Eu confesso: eu
Não tenho esperança.
Os cegos falam de uma saída. Eu Vejo.
Após os erros terem sido usados
Como última companhia, à nossa frente
Senta-se o Nada.

 

EPÍSTOLA SOBRE O SUICÍDIO

Matar-se
É coisa banal.
Pode-se conversar com a lavadeira sobre isso.
Discutir com um amigo os prós e os contras.
Um certo pathos, que atrai
Deve ser evitado.
Embora isto não precise absolutamente ser um dogma.
Mas melhor me parece, porém
Uma pequena mentira como de costume:
Você está cheio de trocar a roupa de cama, ou melhor
Ainda:
Sua mulher foi infiel
(Isto funciona com aqueles que ficam surpresos com essas coisas
E não é muito impressionante)
De qualquer modo
Não deve parecer
Que a pessoa dava
Importância demais a si mesmo

 

UM HOMEM PESSIMISTA

Um homem pessimista
É tolerante.
Ele sabe deixar a fina cortesia desmanchar-se na língua
Quando um homem não espanca uma mulher
E o sacrifício de uma mulher que prepara café para seu amado
Com pernas brancas sob a camisa -
Isto o comove.
Os remorsos de um homem que
Vendeu o amigo
Abalam-no, a ele que conhece a frieza do mundo
E como é sábio
Falar alto e convencido
No meio da noite.

 

SOUBE

Soube que
Nas praças dizem de mim que durmo mal
Meus inimigos, dizem, já estão assentando casa
Minhas mulheres põem seus vestidos bons
Em minha ante-sala esperam pessoas
Conhecidas como amigas dos infelizes.
Logo
Ouvirão que não como mais
Mas uso novos ternos
Mas o pior é: eu mesmo
Observo que me tornei
Mais duro com as pessoas.

 

QUEM NÃO SABE DE AJUDA

Como pode a voz que vem das casas
Ser a da justiça
Se os pátios estão desabrigados?
Como pode não ser um embusteiro aquele que
Ensina os famintos outras coisas
Que não a maneira de abolir a fome?
Quem não dá o pão ao faminto
Quer a violência
Quem na canoa não tem
Lugar para os que se afogam
Não tem compaixão.
Quem não sabe de ajuda
Que cale.

 

ACREDITE APENAS

Acredite apenas no que seus olhos vêem e seus ouvidos
Ouvem!
Também não acredite no que seus olhos vêem e seus
Ouvidos ouvem!
Saiba também que não crer algo significa algo crer!


COM CUIDADO EXAMINO

Com cuidado examino
Meu plano: ele é
Grande, ele é
Irrealizável.

 

OS ESPERANÇOSOS

Pelo que esperam?
Que os surdos se deixem convencer
E que os insaciáveis
Lhes devolvam algo?
Os lobos os alimentarão, em vez de devorá-los!
Por amizade
Os tigres convidarão
A lhes arrancarem os dentes!
É por isso que esperam!

 

NO SEGUNDO ANO DE MINHA FUGA

No segundo ano de minha fuga
Li em um jornal, em língua estrangeira
Que eu havia perdido minha cidadania.
Não fiquei triste nem alegre
Ao ver meu nome entre muitos outros
Bons e maus.
A sina dos que fugiam não me pareceu pior
Do que a sina dos que ficavam.

 

PARA LER DE MANHÃ E À NOITE

Aquele que amo
Disse-me
Que precisa de mim.
Por isso
Cuido de mim
Olho meu caminho
E receio ser morta
Por uma só gota de chuva.

 

DE QUE SERVE A BONDADE

1
De que serve a bondade
Se os bons são imediatamente liquidados, ou são liquidados
Aqueles para os quais eles são bons?
De que serve a liberdade
Se os livres têm que viver entre os não-livres?
De que serve a razão
Se somente a desrazão consegue o alimento de que todos necessitam?
2
Em vez de serem apenas bons, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne possível a bondade
Ou melhor: que a torne supérflua!
Em vez de serem apenas livres, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que liberte a todos
E também o amor à liberdade
Torne supérfluo!
Em vez de serem apenas razoáveis, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne a desrazão de um indivíduo
Um mau negócio.

 

A Cruz de Giz

Eu sou uma criada. Eu tive um romance
Com um homem que era da SA.
Um dia, antes de ir
Ele me mostrou, sorrindo, como fazem
Para pegar os insatisfeitos.
Com um giz tirado do bolso do casaco
Ele fez uma pequena cruz na palma da mão.
Ele contou que assim, e vestido à paisana
anda pelas repartições do trabalho
Onde os empregados fazem fila e xingam
E xinga junto com eles, e fazendo isso
Em sinal de aprovação e solidariedade
Dá um tapinha nas costas do homem que xinga
E este, marcado com a cruz branca
é apanhado pela SA. Nós rimos com isso.
Andei com ele um ano, então descobri
Que ele havia retirado dinheiro
Da minha caderneta de poupança.
Havia dito que a guardaria para mim
Pois os tempos eram incertos.
Quando lhe tomei satisfações, ele jurou
Que suas intenções eram honestas. Dizendo isso
Pôs a mão em meu ombro para me acalmar.
Eu corri, aterrorizada. Em casa
Olhei minhas costas no espelho, para ver
Se não havia uma cruz branca.

As margens

Do rio que tudo arrasta se
diz que é violento
Mas ninguém diz violentas as
margens que o comprimem

O Vosso tanque General, é um carro forte

Derruba uma floresta esmaga cem
Homens,
Mas tem um defeito
- Precisa de um motorista
O vosso bombardeiro, general
É poderoso:
Voa mais depressa que a tempestade
E transporta mais carga que um elefante
Mas tem um defeito
- Precisa de um piloto.
O homem, meu general, é muito útil:
Sabe voar, e sabe matar
Mas tem um defeito-
Sabe pensar

O poema e a música muitas vezes refletem e exteriorizam sentimentos e pensamentos comuns em muitos.

 

O POVO AO PODER

Quando nas praças s’eleva

Do Povo a sublime voz…

Um raio ilumina a treva

O Cristo assombra o algoz…

Que o gigante da calçada

De pé sobre a barrica

Desgrenhado, enorme, nu

Em Roma é catão ou Mário,

É Jesus sobre o Cálvario,

É Garibaldi ou Kosshut.

A praça! A praça é do povo

Como o céu é do condor

É o antro onde a liberdade

Cria águias em seu calor!

Senhor!… pois quereis a praça?

Desgraçada a populaça

Só tem a rua seu…

Ninguém vos rouba os castelos

Tendes palácios tão belos…

Deixai a terra ao Anteu.

Na tortura, na fogueira…

Nas tocas da inquisição

Chiava o ferro na carne

Porém gritava a aflição.

Pois bem…nest’hora poluta

Nós bebemos a cicuta

Sufocados no estertor;

Deixai-nos soltar um grito

Que topando no infinito

Talvez desperte o Senhor.

A palavra! Vós roubais-la

Aos lábios da multidão

Dizeis, senhores, à lava

Que não rompa do vulcão.

Mas qu’infâmia! Ai, velha Roma,

Ai cidade de Vendoma,

Ai mundos de cem heróis,

Dizei, cidades de pedra,

Onde a liberdade medra

Do porvir aos arrebóis.

Dizei, quando a voz dos Gracos

Tapou a destra da lei?

Onde a toga tribunícia

Foi calcada aos pés do rei?

Fala, soberba Inglaterra,

Do sul ao teu pobre irmão;

Dos teus tribunos que é feito?

Tu guarda-os no largo peito

Não no lodo da prisão.

No entanto em sombras tremendas

Descansa extinta a nação

Fria e treda como o morto.

E vós, que sentis-lhes os pulso

Apenas tremer convulso

Nas extremas contorções…

Não deixais que o filho louco

Grite “oh! Mãe, descansa um pouco

Sobre os nossos corações”.

Mas embalde… Que o direito

Não é pasto de punhal.

Nem a patas de cavalos

Se faz um crime legal…

Ah! Não há muitos setembros,

Da plebe doem os membros

No chicote do poder,

E o momento é malfadado

Quando o povo ensangüentado

Diz: já não posso sofrer.

Pois bem! Nós que caminhamos

Do futuro para a luz,

Nós que o Calvário escalamos

Levando nos ombros a cruz,

Que do presente no escuro

Só temos fé no futuro,

Como alvorada do bem,

Como Laocoonte esmagado

Morreremos coroado

Erguendo os olhos além.

Irmão da terra da América,

Filhos do solo da cruz,

Erguei as frontes altivas,

Bebei torrentes de luz…

Ai! Soberba populaça,

Dos nossos velhos Catões,

Lançai um protesto, ó povo,

Protesto que o mundo novo

Manda aos tronos e às nações.

Recife, 1864